terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O fim do exame criminológico


"De médico DE louco, todo mundo tem um pouco..."

Para a classe policial, o fim do mundo em 21/12/2012, não é nossa preocupação precípua, não só porque somos incrédulos, além de alguma base científica, mas porque temos preocupações prementes, como a saída temporária dos presos para as festas de fim de ano.
A recente onda de violência que veio vitimar policiais e civis, só veio aumentar os questionamentos dos envolvidos e suas famílias quanto a esse direito previsto na Lei de Execuções Penais. A mesma que previa classificação dos infratores da lei de acordo com sua personalidade criminosa de acordo com sua avaliação psicológica e exame criminológico para a progressão de regime, entre outras inovações, porém não observadas ou simplesmente posteriormente modificadas por outra lei. Tudo muito bonito, mas pouco prático, como verão no texto que postamos em seguida.
Certo é que milhares de detentos devem deixar as penitenciárias onde cumprem suas penas, seja em regime semiaberto ou mesmo regime fechado (exceção do Regime Disciplinar Diferenciado) para, em tese, desfrutarem do convívio familiar nas festas.  E a maioria de nós, classe policial, estará trabalhando invariavelmente, para a manutenção da segurança deles, de nossas famílias, da sociedade. É responsabilidade da POLÍCIA, o “monitoramento” das atividades desses presos e se necessário o controle repressivo. 

MEDIDA DE SEGURANÇA

O fim do exame criminológico

03/12/2012 por Antonio José Eça*



Então, um dia qualquer, editou-se uma lei que veio a falar em que se examinasse o preso, com o fim de melhorar suas condições, tanto de cumprimento de pena, como (e principalmente) de concessão de liberdade ao mesmo. Assim, estabeleceu a Lei de Execução Penal (n. 7.210/84) por exemplo, que os pedidos de progressão de regime deveriam ser instruídos com o parecer da chamada Comissão Técnica de Classificação e do tal do exame criminológico, (art. 112, e parágrafo único).
E esse tal de ‘exame criminológico’ é previsto no art. 8º, da mesma Lei e se aplicaria aos condenados a penas em regime fechado, tendo por objeto “a obtenção de elementos necessários a uma adequada classificação, com vistas à individuação da execução”. Desta forma, ao que se entende, esse exame deveria ser realizado não só lá para a frente, perto do fim da pena, mas também no início da execução penal para que com isto a mesma fosse individualizada; por sua vez, na época do eventual pedido de concessão de progressão do regime de cumprimento de pena, seriam agregadas outras informações obtidas pela Comissão Técnica de Classificação acerca dos “dados reveladores da personalidade do preso” (art. 9º).
Bonito, não é? Parece até que nossa terra é um país de primeiro mundo, onde os presos (até os presos), são tratados como se devem tratar os seres humanos, isto é, adequando-se o indivíduo á sua situação: o preso ‘A’, no grupo ‘A’, o preso ‘B’ no grupo ‘B’, e assim por diante....
Entretanto, o que se vê, é que tais disposições legais, que em última análise pretendem, por assim dizer, um aperfeiçoamento da execução penal, na prática, não passam de balela, já que a grande maioria dos encarcerados cumpre suas penas, ou em presídios locais, ou cadeias públicas e nunca foram submetidos a qualquer espécie de ‘classificação’ ou também nunca receberam qualquer espécie de acompanhamento durante todo o cumprimento de suas penas.... que pena!
Para piorar, o exame criminológico deixou de ser obrigatório para a progressão de regime, com a entrada em vigor de outra Lei, agora a de n. 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal, já que a nova redação determina que o preso tem direito à progressão de regime depois de cumprir ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do presídio. Como esse novo texto não faz nenhuma referência ao exame criminológico, muitos operadores do Direito entenderam que ele havia sido extinto. Na prática, realmente foi!
Pior do que todos estes meandros legais, é a disposição que alguns participantes dos governos, seja ele estadual ou federal, tem em realizar modificações nesta área, apenas como forma de solucionar problemas que, em última análise, são deles, governantes e seus representantes.
Eu explico: por exemplo, alguém de importância no passado do governo estadual, já mal comparou o sistema prisional à uma caixa d’água, dizendo que existe uma torneira por onde entram os (se me permitem), ‘presos-água’, e um ralo, por onde eles sairiam; pois é, se não parar de entrar ‘presos-água’, o ‘sistema prisional caixa d’água’ vai transbordar; então, que se aumente o ralo, para que saia o excesso... e uma das forma mais simples de se aumentar o ralo, é acabar com o exame criminológico; claro, afinal, seria pelo exame criminológico e pelo parecer da tal da Comissão Técnica de Classificação, que iria ser feita uma triagem e uma separação dos indivíduos e um exame de suas condições de estar ou não bem para aproveitar melhor o beneficio que lhe estaria sendo oferecido.
Mas aí reside o perigo: se formos realizar um exame criminológico em alguns dos presos, pode ser que este exame mostre resultado ‘negativo para a progressão do regime’, o que significaria que o preso deveria permanecer encarcerado!
‘Não, encarcerado não, nós queremos é soltar, queremos vagas!
A permanência do preso no regime prisional fechado, não é de interesse, pois afinal, o Governo quer vagas nos presídios sem ter que construí-los, mesmo que por isto deixe sair alguém que não esteja em sua melhor condição para aproveitamento da progressão....; não precisaria apenas construir presídios, poderia também reformular o tipo de penas, o próprio Código Penal, e enquanto isto não ocorresse, ao menos poderia contratar técnicos para atender a população carcerária dignamente (e desta dignidade faz parte tentar fazer realmente algo por eles, no sentido derealmente deixá-los em melhores condições para a saída do regime fechado), mas não, isto não está nos planos; afinal, depois que o próprio Ministro da Justiça disse de público que ‘preferia morrer a ficar preso’, que se pode esperar? Se um dos senhores que em tese deveria ser um dos mais preocupados com um sistema prisional, que em última análise está na dependência de sua pasta pensa assim, que pensarmos nós, míseros mortais?
Muitos poderão reclamar, dizendo que é necessário, como se disse já, acabar com a ‘ditadura da medicina legal’, que, coitada, apenas existe para fornecer ao operador do Direito os subsídios necessários para bem encaminhar os casos que dela necessitem.
A perícia, caso alguém não se recorde, é parte importante do processo legal adequado, mas a perícia de engenharia (naquela queda do edifício tal), ninguém dispensa; a perícia contábil (na falência da fábrica tal) também é indispensável; a própria perícia no caso de estupro, ninguém questiona; mas quando esta perícia resvala nos meandros da mente, então todo mundo dá palpites à vontade; claro, é a área do conhecimento não palpável, repleta de ‘achismos’ (e como as pessoas acham!!!); é nesta hora que aparece muito nitidamente uma nova versão do conhecido ditado de que ‘de médico e de louco todo mundo tem um pouco’, que eu tomei a liberdade de modificar como: "de médico DE louco, todo mundo tem um pouco”.
Pensem nisto.
Médico psiquiatra; Mestre em psicologia. Professor de psicopatologia forense, medicina legal e criminologia. Autor de Roteiro de Psiquiatria Forense, Editora Saraiva.

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